Vaga por ai um eu que em si mesmo nunca se coube.
De todo responsável por esse instante de "não sei",
Causando destarte a impressão de que nalgures soube,
Malgrado viva a se perguntar quem sou, quem fui, quem serei.
A "A alma humana é um mistério", já o disse Pessoa.
Então que nome ha-se-ia de dar a tão insólito relato,
A essa explosão de não fatos que como pássaro voa,
Um eu estranho que até há pouco vivia no anonimato?
Especula-se sobre suas vidas,
Especula-se sobre sua calma,
Especula-se sobre suas feridas
Especula-se sobre sua alma:
- Contam-se, que desejou voar,
- Contam-se, que chegou a amar.
- Contam-se, que tentou se matar
- Mas de certo é que viu o mar.
- O que ouviu das sereias?
- O que ouviu das areias?
- O que ouviu das mareias?
- O que ouviu das candeias?
- Contam-se, que das sereias poesias
- Contam-se, que das areias magias
- Contam-se, que das mareias Marias
- Contam-se, que das candeias orgias
Viu, viveu e sentiu o mar, tanto o seu quanto o alheio.
Mas o que lhe ficou do mar foi um tanto imaginário,
Ficou com o todo real e com aquilo que não lhe veio,
Histórias hoje guardadas dentro de se requilário.
Sagres, dragões, o porto incerto.
Tentou, então, entender, o mar de Fernando Pessoa
Milagres, lições, Dom Sebastião - O Encoberto...
Fragmentos do que a seu ver seria o amar que ecoa
Também no mar de si ondas e tormentas se agitam
E com cavalos-marinhos enfrenta piratas visionários.
Os farois costeiros já não ajudam, mas sim limitam
Houvera pois de contar com marinheiros imaginários.
Quando então do mar mais calmo, e sem pensar em milagres.
Perplexo, um tanto sem rumo, pensou - "onde irei?"
Ficou-lhe clara a ausência, o desprover da ousadia de Sagres,
Mais do que isso, sem a obstinação de um Hemingway
Reza a lenda que tenha estado divagando
E que ao voltar do planeta onde estava,
Parecia certo que havia alguém falando
E que antes de partir havia alguém que falava...
Pensou: "O que fiz onde estive?
Belo tema para uma canção.
Eis o drama de quem convive
Com os fantasmas da dispersão..."
Eis que, em resposta, disse-lhe um amigo:
"Todos nós seres vivos viemos do mar"
Eis também, que a propósito lhe digo,
Todos nós seres vivemos viemos para amar
Ainda que não tenha redarguido, complementou a fala
- "Dai nossa ancestral atração pelos oceanos".
Sim, sim, sei o quanto aquele dito em si cala.
Sim, e quão inerente é isso aos seres humanos
Armando Coelho Neto (Tio Manduca)