"A nau de um deles tinha-se perdido
No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei ..."
De repente, um cheiro de fumaça no ar, vindo de um lugar indefinido. Em princípio, parecia o cheiro da bandeira usada num protesto de estudantes, sendo queimada pelos vândalos. Bombas, explosões, palavras de ordem em meio à desordem. Mas o cheiro fica mais forte e ele acorda. O cigarro caiu no tapete roto. Descobre, então, que torpe de sono, ele não conseguiu terminar de ler o poema de Fernando Pessoa, trecho da obra O Encomberto. Por instantes, lembrara apenas de haver parado na palavra rei...
Era uma noite fria e chuvosa de um inverno tropical, o suficiente para inibir-lhe o pique aventureiro, sua sanha de caçador, um tanto quanto adormecida pela ressaca moral das reiteradas traições. Não à toa, posto que a mulher amada não o era em si. Era, na verdade, uma concepção idealizada de uma Gioconda, com a voz de "Dulcinéia, a malícia de Frinéia, a pureza de Maria", como ouvia, quando criança, seu pai cantar desafinado durante o banho, a canção Escultura protagonizada pelo cantor Nelson Gonçalves.
Fora acometido por um frenesi caleidoscópio de imagens que lhe ocorreram e se mesclavam a cenas de um vídeo de Engenheiros do Havaí, profetizando, antes do protesto, "que começa achar normal que algum boçal atire bombas na embaixada...".
Pobre aventureiro, pobre caçador, então cansado, vivendo sua ressaca moral, o peso de um dia de trabalho e o agito de um protesto difuso, amorfo, insípido, inidoro. Movidos pela revolta de ver jovens como ele apanhando da polícia, pelo simples fato de estar reinvindicando na rua menor preço nas passagens de ônibus. Incorporou a inquietação dos jovens às suas, que se somaram a outras tantas, que iam desde o anseio de consumo ao vazio sexual, a vacância da afetividade, amor. Revoltas pessoais aglutinando-se a anseios coletivos, que também se confundiam com os seus. O suficiente para, entre torpe, inquieto e sonolento quedar-se inerte. Então pensou – whisky ou Rivotril?
Enquanto buscava a resposta...
Sagrou-se Cavaleiro João de Santo Cristo, banhado no sangue da Legião Urbana que em desespero esperava o discurso de posse do novo Comandante Geral da Terra de Santa Cruz...
Bradou retumbante as margens do Paranoá... percebia-se Vargas e um tal de Juscelino sentados de pés molhados no lago... e servidos cada um de um dose de cachaça de Minas...
Quando o barulho ensurdecedor de um helicóptero, que emergia qual submarino, decolando para permitir que Roberto, vendedor de jornais, vestindo um terno de cor Azul Marinho, filmasse o ocorrido... sendo pilotado por um homem de nove dedos... que contava sobre o "espirituosismo" de tal de Esperidião. Com cinco tiros um em cada presidente...
Pediu ao copeiro chamado Cartola:
- Canta-me a musica das rosas...
e traz ...
...UÍSQUE E RIVOTRIL
Armando Coelho Neto
&
Antonio Moraes Filho