E se, nesta hora marcada pela inexorável rotação dos céus, me chegasse, trazida por um emissário — amigo, irmão, ou a indiferença de um antigo contendor — a notícia fatal, o édito que sentencia a mais cruel das distâncias?
A nova de que jamais, nesta efêmera tapeçaria da vida, meus olhos repousariam na tua imagem; que a dádiva dos meus braços seria para ti uma lembrança gélida; que o efêmero odor de minha presença não mais profanaria tuas narinas e teus sentidos, nem povoaria o éter que respiras.
Que a minha inoportuna inconveniência, que outrora te forçava ao rubor, e a minha inelegância social, que te causava desconcerto em praça pública, seriam sublimes e irrecuperáveis lacunas.
Que o pranto da saudade não mais te despertaria em desalinho, nem a insistência das minhas mensagens, nem a incongruência dos meus chamados fora da hora seriam a doce tirania que rompe o teu sossego.
O vaticínio de que nunca mais te infligiria dor, nem suor, nem a repulsa da gastura, nem a febre do calor, nem o êxtase do prazer. Uma existência despojada da nossa mútua e imperfeita humanidade.
Que a comunhão do dia e da noite seria extinta, e a saudade, ainda que breve, não teria mais o bálsamo do reencontro remediável.
E se, neste limiar, a jornada de mãos entrelaçadas na mesma senda, a partilha da poeira nos pés do idêntico caminho, não fosse senão uma miragem desfeita? Se a partilha do pão à mesma mesa, o banho na mesma linfa, o repouso no mesmo leito conjugal não fossem mais que sonho, desejo e vã querência?
Ó, alma que me escutas, responde-me na dor desta penumbra: Ainda assim, o teu amor me seria um relicário? Por quantas luas guardaria meu espectro na câmara do teu pensamento? Por quantas noites sepultarias a dor no teu peito? A quantas horas confiarias a torrente do teu pranto? Quantas covas, em teu íntimo, cavarias para a saudade, este hóspede perene?
E quando, oh, quando o portal do teu ser se reabriria à luz de um novo alvorecer? Em que éter se dissiparia o pesar que minha existência te impôs, e quando as chagas abertas se fariam meras cicatrizes?
Quando a tua alma, seduzida por Morfeu em seu manto noturno, deixaria de sentir o meu cheiro e o aconchego dos meus braços nos sonhos que te embalam?
Dize-me, E quando? E quando? E Como?
E se o Hoje fosse o único tempo que restasse? Se esta, a derradeira, fosse a voz do abismo, o adeus que aniquila, o súbito e arrebatador...
... Adeus.

